O que é reserva cognitiva?
Reserva cognitiva é um termo recente que teve grande repercussão na neurologia. Refere-se às diferenças individuais nos processos cognitivos que geram maior ou menor resistência a danos e deterioração. Além disso, essas diferenças mediariam o desempenho de algumas tarefas, resolução de problemas e tomada de decisão.
Embora seja um termo que não é isento de controvérsias, durante as últimas duas décadas milhares de pesquisadores perceberam sua validade. Avanços em nossa compreensão de danos cerebrais, doença de Alzheimer e diferentes transtornos mentais apontam para a validade do conceito. Nas linhas a seguir explicamos suas características e importância.
Características da reserva cognitiva
Como nos lembra a Harvard Health Publishing, o conceito de reserva cognitiva originou-se no final da década de 1980 no contexto da pesquisa sobre demência. Os cientistas descobriram que alguns pacientes sem sinais evidentes da doença de Alzheimer apresentavam alterações cerebrais consistentes com a doença na autópsia.
Desde então, começaram a surgir hipóteses que tentavam explicar por que alguns sujeitos pareciam ter maior resistência a danos cerebrais e deterioração natural devido à idade. A reserva cognitiva começou a se consolidar como a hipótese mais forte, que sobrevive até hoje. Ela alude a diferenças individuais subjacentes em redes neurais e processos cognitivos que mediam seu desgaste.
Os pesquisadores normalmente distinguem entre dois tipos de reserva cognitiva: passiva e ativa. A reserva passiva, também conhecida como reserva cerebral, é derivada da contagem neuronal e do tamanho do cérebro. Cérebros maiores, ou pelo menos contagens neuronais mais altas, são mais capazes de suportar danos cognitivos, lesões e o declínio natural da idade.
Em contraste, a reserva cognitiva ativa, às vezes conhecida apenas como reserva cognitiva, refere-se a alterações que o cérebro induz ativamente para reforçar processos cognitivos pré-existentes ou para compensar alguma deficiência. Segundo os especialistas, isso aconteceria, entre outras coisas, pelo recrutamento de redes neurais alternativas ou pelo uso mais eficiente de redes cerebrais já formadas.
A reserva ativa é mais poderosa que a reserva passiva. De fato, um paciente que tem uma reserva cerebral passiva maior do que outro nem sempre apresentará menos comprometimento devido a distúrbios cognitivos. É a sua capacidade de reserva ativa que determina na prática a capacidade de resposta a estes episódios. Apesar disso, e longe de se repelirem, os conceitos funcionam como um todo.
A reserva cognitiva pode ser medida?
Quando pensamos na palavra reserva, fazemos isso no contexto de provisões que separamos para uso em outro momento. Provisões que podemos quantificar, com muita precisão ou pelo menos aproximadamente. Com isso em mente, podemos de alguma forma medir ou quantificar a reserva cognitiva? Embora pareça incrível, podemos fazer algo semelhante.
Para a reserva cerebral podemos utilizar critérios como volume cerebral, contagem sináptica, ramificação dendrítica e perímetro cefálico. A soma de todos esses valores pode dar uma medida bastante próxima da capacidade da reserva cerebral (ou seja, da reserva passiva). No caso da reserva cognitiva (reserva ativa), são utilizadas medidas indiretas ou subjetivas.
Por exemplo, há evidências de que o nível de alfabetização está positivamente relacionado à reserva ativa. A experiência educacional, que por sua vez se traduz em capacidade intelectual, também é um bom preditor de acordo com os pesquisadores. Outros especialistas apontam que o contexto de emprego de longo prazo tem impacto direto nessa reserva.
Observe que os valores ativos variam ao longo da vida. Os passivos também o fazem, claro, mas como os ativos têm um papel maior, são os que mais interessam (além de serem modificáveis, o que não acontece com os anteriores). Você pode ter uma reserva cognitiva alta em uma certa idade e então ter uma reserva cognitiva média ou baixa uma ou duas décadas depois.
Como aumentar a reserva cognitiva?
Há evidências de que a criatividade tem uma forte relação com a reserva cognitiva. Sabemos também que as atividades de lazer de natureza intelectual e social levam a um aumento dos seus níveis. Com isso em mente, deixamos algumas ideias sobre como aumentar a reserva cognitiva:
- Assuma a leitura como parte do estilo de vida.
- Envolva-se em todos os tipos de expressões artísticas (pintura, escultura, música e outras).
- Pratique esportes regularmente.
- Participe de atividades sociais (de qualquer tipo: esporte, lazer, debate e outras).
- Mantenha uma alimentação saudável.
- Reduza o consumo de tabaco, álcool e drogas recreativas.
- Respeite as horas de sono (pelo menos oito horas por dia sem interrupção).
- Participe de atividades criativas em uma base constante.
- Assuma uma atitude investigativa que o leve a se aventurar no conhecimento.
- Evite trabalhos muito rotineiros (ou faça o possível para ajustá-los um pouco).
- Não se isole dos outros. Expandir o círculo de amigos é benéfico a este respeito.
- Aprenda um novo idioma.
- Complete palavras cruzadas, jogue sudoku e outros desafios que estimulem sua mente.
- Conecte-se com pessoas interessadas em desenvolver esses hábitos para incluí-los permanentemente em sua vida diária.
Um conceito complexo e ainda pouco conhecido
Embora ressaltemos que a reserva cognitiva varia ao longo da idade, a verdade é que os efeitos são melhores quando todos esses hábitos começam a ser fomentados desde a infância. Assim, tornam-se parte da vida, e os benefícios ao nível das redes neurais são ainda mais consolidados.
Cada pessoa deve incluir essas práticas como parte da agenda de sua vida. Aqueles que estão em maior risco de desenvolver doenças mentais, aqueles que não, idosos, crianças, pessoas com doenças subjacentes e também pessoas saudáveis. Em geral, ter um estilo de vida saudável e ter interesse por novas atividades é suficiente para aumentar a reserva cognitiva.
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