Desreguladores endócrinos: como eles afetam a saúde
O sistema endócrino engloba um conjunto de glândulas e órgãos que produzem hormônios e os liberam diretamente no sangue. Os compostos sintetizados por este conjunto funcional regulam praticamente todas as funções do organismo, incluindo a taxa de desenvolvimento geral, a atividade dos tecidos, o metabolismo e a atividade dos órgãos sexuais.
O sistema endócrino é tão complexo quanto excitante, mas há uma série de condições que podem causar um desequilíbrio de leve a grave. Hipotireoidismo, hipertireoidismo e diabetes são os desequilíbrios hormonais mais conhecidos, embora existam muitos mais. A maioria desses distúrbios se manifesta de forma sistêmica, pois os hormônios afetam mais de um órgão ao mesmo tempo.
Apesar do amplo conhecimento que se tem sobre os desequilíbrios do aparelho hormonal, a ciência não para de nos surpreender. Apresentamos aqui todas as informações que você deve saber sobre alguns agentes que interferem no nosso sistema hormonal: os desreguladores endócrinos. Não pare de ler.
O que são desreguladores endócrinos?
O National Cancer Institute (NCI) define o sistema endócrino como ‘o conjunto de glândulas e órgãos que produzem hormônios e os liberam diretamente no sangue para que alcancem os tecidos e órgãos de todo o corpo’. Os compostos hormonais são essenciais para a vida e regulam o metabolismo diário, o desenvolvimento e a reprodução dos seres vivos.
As principais estruturas de secreção hormonal no corpo humano são os ovários, testículos, pâncreas, glândulas supra-renais, tireóide, paratireóides, glândula pineal, hipotálamo e hipófise. Esses são os principais órgãos responsáveis por manter o sistema endócrino à tona, mas o rim, o fígado, o coração e outros tecidos atuam como estruturas regulatórias secundárias.
O funcionamento dos hormônios é muito complexo, mas pode ser resumido em algumas linhas. Os compostos são liberados no espaço extracelular, se difundem no sistema circulatório, viajam no sangue e atingem seus tecidos ou células-alvo, onde realizam uma tarefa específica. Os receptores (de membrana e nuclear) são expressos nas células que serão afetadas pelo hormônio em questão.
Os desreguladores endócrinos são compostos que, de uma forma ou de outra, impedem o bom funcionamento do nosso circuito hormonal. A Comissão Europeia define-os como «substâncias ou misturas exógenas que alteram a função ou funções do sistema endócrino e, consequentemente, causam efeitos adversos à saúde num organismo intacto, na sua descendência ou (sub) populações».
Essa definição não é importante apenas no mundo humano, como também inclui os possíveis efeitos da liberação desses compostos nos ecossistemas. Embora falemos de saúde de uma perspectiva antrópica, não devemos perder de vista que o sistema endócrino está presente em muitos animais. Eles também são afetados por desreguladores endócrinos.
Características dos desreguladores endócrinos
Os desreguladores endócrinos são numerosos e têm estruturas muito variadas. Em qualquer caso, seu mecanismo de ação pode ser resumido na seguinte lista:
- Muitos desses compostos são capazes de mimetizar a atividade biológica de um hormônio ligando-se ao seu receptor celular. Isso pode fazer com que a célula estimulada execute uma resposta errônea, mal localizada ou excessiva. É um efeito agonístico.
- Alguns desreguladores endócrinos se ligam ao receptor na célula-alvo, mas não o estimulam. A adesão do composto estranho ao mecanismo de recepção do hormônio do corpo celular tornará o hormônio real incapaz de se ligar a ele. Do ponto de vista funcional, a célula está inativada. É um efeito antagônico.
- Outros desreguladores simplesmente se ligam às proteínas de transporte no sangue. Isso modifica a homeostase do plasma sanguíneo e aumenta a concentração de compostos químicos nesse tecido conjuntivo.
- Por fim, esses compostos também são capazes de modificar a síntese e o metabolismo dos hormônios no corpo. Isso causa um aumento ou diminuição na velocidade dos processos metabólicos naturais, entre muitas outras coisas.
Alguns desses desreguladores têm sido usados há décadas na saúde humana, conforme indicado pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. As pílulas anticoncepcionais são o exemplo mais claro disso, pois sua principal função é interromper a ovulação natural da mulher. No entanto, muitos outros desses compostos são liberados no meio ambiente e têm efeitos muito indesejáveis.
Os desreguladores endócrinos usados no mundo da medicina são concebidos como drogas. Apenas aqueles que geram um processo indesejado no corpo, seja ele humano ou não, se adaptam a essa definição.
Tipos de desreguladores endócrinos
A tipologia dos desreguladores endócrinos é baseada em sua natureza química. O ser humano está exposto a eles por meio do consumo de alimentos contaminados, da ingestão de água em contato com produtos químicos nocivos, da aplicação de cosméticos não regulamentados e do uso de agrotóxicos já retirados do mercado (ou alguns comercializados).
Embora as concentrações prejudiciais de muitos dos receptores endócrinos não tenham sido elucidadas, suspeita-se que quantidades muito baixas podem afetar o corpo. Os hormônios são agentes metabólicos muito poderosos e esses produtos químicos os imitam ou os inibem. A seguir, mostramos os exemplos mais importantes com suas rotas específicas de atuação em cada cenário. Não perca!
1. Xenoestrogênios
Os xenoestrogênios são compostos químicos que fazem parte de um grupo heterogêneo de agentes hormonais ativos. Eles podem ser naturais e sintetizados pelo homem e seu objetivo principal é mimetizar a ação do estrogênio, o hormônio responsável pela regulação e desenvolvimento do sistema reprodutor feminino e de suas características sexuais secundárias.
Os xenoestrogênios estão sob os holofotes da comunidade científica por sua aparente correlação com diversos problemas de saúde humana (e animal), pois têm o potencial de interromper o processo reprodutivo natural. Mostramos alguns exemplos específicos dentro deste grupo.
1.1 Alquilfenol
Este composto representa um grupo funcional de produtos químicos que são usados como herbicidas para fazer PVC e sintetizar poliestireno modificado. Como o nome sugere, são obtidos por alquilação de compostos fenólicos. Conforme enfatizado pela EPA, eles são potencialmente tóxicos, persistem no meio ambiente e têm a capacidade de bioacumulação.
As fontes de exposição a alquilfenóis no ambiente humano incluem o seguinte:
- Poluentes aquáticos: a presença desses compostos químicos tem sido constatada nas águas tratadas de algumas regiões. Também é comum encontrá-los em lodo de esgoto.
- Contaminantes alimentares: os recipientes que contêm alquilfenóis em sua composição podem se acumular (teoricamente) nos alimentos. Mais pesquisas são necessárias para verificar esse fato.
- Ambiente doméstico: os alquilfenóis são muito comuns nas estruturas domésticas (por exemplo, no PVC de muitos tubos). Sua concentração também parece estar relacionada ao uso de alguns produtos de uso doméstico.
Documentos profissionais mostram que os alquilfenóis não só têm efeitos estrogênicos, mas são tóxicos e até promovem o câncer em certos seres vivos. A bioacumulação desses compostos nos esgotos e no meio ambiente é um problema para a fauna, mas também para o homem e sua saúde como espécie em longo prazo.
1.2 Bisfenol A (BPA)
O BPA é um dos desreguladores endócrinos mais presentes na sociedade em geral, pois é utilizado na produção de policarbonatos, resinas epóxi, algumas polissulfonas e outros materiais. Seu efeito é muito semelhante ao do estrogênio e, por décadas, vários governos questionaram esse composto. Por esta razão, cada vez mais plásticos sem BPA estão sendo fabricados.
A Clínica Mayo também não é generosa ao analisar o Bisfenol A. Este órgão cita várias fontes que afirmam que o composto vaza para alimentos e bebidas que são mantidos em recipientes plásticos com BPA. Isso tem sido associado a disfunções cerebrais em crianças e aumento da pressão arterial, diabetes e doenças cardiovasculares em adultos.
As agências médicas governamentais aconselham evitar recipientes de plástico com BPA, especialmente se forem expostos ao calor.
1.3 Dicloro difenil tricloroetano (DDT)
Dicloro difenil tricloroetano, mais conhecido como DDT, é um composto organoclorado vital para a síntese de pesticidas. No passado, ele era usado principalmente contra pragas de besouros que assolavam as plantações americanas, mas posteriormente seu uso também começou para minimizar as populações de mosquitos (transmissores da malária e outras doenças).
Este é um dos desreguladores endócrinos que já estão proibidos no que diz respeito a compras e emprego dessa sustância. Todos os inseticidas contendo DDT são proibidos globalmente (nos Estados Unidos desde 1969), pois além do efeito tóxico, sua analogia com o estrogênio causa a interrupção do ciclo reprodutivo de vários animais.
Vamos além, já que fontes científicas mostraram que o DDT tem efeitos negativos no sistema reprodutor masculino humano. Vários testes em trabalhadores expostos a esta substância mostraram que a sua saúde reprodutiva e a qualidade do seu sémen eram muito inferiores após serem expostos a este inseticida por longos períodos de tempo.
2. Outros possíveis desreguladores endócrinos
Os xenoestrogênios têm sido estudados extensivamente, mas suspeita-se que existam muitos mais desreguladores endócrinos com funções semelhantes ou diferentes das dos compostos já mencionados. Colocamos alguns exemplos na lista a seguir:
- Dioxinas: esses compostos são obtidos a partir de processos de combustão que envolvem principalmente o cloro. Eles se bioacumulam no meio ambiente e aumentam de concentração à medida que o nível na cadeia trófica aumenta. As dioxinas são encontradas em pequenas quantidades na alimentação humana.
- Hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAP): localizam-se em fontes naturais, embora também possam ser obtidos após combustão incompleta da matéria orgânica. A fumaça do tabaco é o agente causador de 90% dos níveis de HAP em ambientes fechados nas casas dos fumantes.
- Compostos fenólicos: o bisfenol A está neste grupo, mas também em muitos outros produtos químicos (como butilhidroxitolueno, nonilfenol e ácido pícrico).
A pesquisa sobre os efeitos dos desreguladores endócrinos em potencial no corpo humano e em outros animais continua até hoje. Modelos experimentais (principalmente ratos de laboratório) nos ajudam muito a entender sua dinâmica em escala micro, mas também é necessário saber como eles afetam todo o ecossistema.
Muitos desses compostos químicos aumentam em letalidade quanto mais a cadeia alimentar é aumentada. Ou seja, eles se acumulam nos tecidos das presas e os animais que mais acabam contaminando são os predadores (o ápice da pirâmide alimentar).
Desreguladores endócrinos e saúde humana
Embora todas as informações apresentadas pareçam alarmantes do ponto de vista da saúde social, é fundamental observar que hoje os governos de todo o mundo estão adotando medidas para evitar o uso de desreguladores endócrinos em produtos de uso comum. Por exemplo, nos Estados Unidos, a Lei de Controle de Substâncias Tóxicas foi implementada em 1976 para proibir muitas delas.
Por sua vez, a Comissão Europeia tem identificado desreguladores endócrinos presentes no mercado em milhares de produtos desde 2013 (desinfetantes, inseticidas e cosméticos, sobretudo) com o objetivo de os banir definitivamente.
O que você pode fazer para evitar o consumo indireto de desreguladores endócrinos? Infelizmente, a resposta não é simples. Os produtos químicos são encontrados em nossos alimentos e no meio ambiente, mas você sempre pode escolher uma fonte mais confiável ao consumir alimentos de fazendas extensas (não intensivas) e ao minimizar o uso de embalagens plásticas.
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