O que é a cetose?

A aplicação de um estado de cetose pode gerar benefícios para muitos indivíduos em termos de prevenção de patologias complexas ou de melhora no seu manejo.
O que é a cetose?
Saúl Sánchez

Escrito e verificado por el nutricionista Saúl Sánchez.

Última atualização: 14 abril, 2021

A cetose é uma condição metabólica derivada da baixa disponibilidade de um nutriente específico. É o mecanismo chave na dieta cetogênica e pode ter consequências positivas para a saúde se aplicada corretamente. Portanto, vamos mostrar tudo o que há para saber sobre este processo.

Antes de começar, cabe destacar que as dietas cetogênicas têm sido objeto de muita discussão científica. Essa discordância continua atualmente, embora seja verdade que estão sendo coletadas cada vez mais evidências a favor do seu uso em certos contextos.

Mecanismo da cetose

O fígado participa do estado de cetose.
O fígado é um órgão fundamental do ponto de vista metabólico. É nele que ocorre a produção de corpos cetônicos.

Quando se deixa de introduzir uma certa quantidade de carboidratos na dieta, o corpo precisa recorrer a métodos para produzi-los no fígado a partir de proteínas e gorduras. Isso é conhecido como cetogênese.

Os ácidos graxos e os aminoácidos são transformados em glicose por meio de um processo chamado de gliconeogênese que, por sua vez, produz uma série de subprodutos chamados de corpos cetônicos. Esses elementos também podem ser usados para a produção de energia.

De fato, os corpos cetônicos são um dos combustíveis favoritos do cérebro, de acordo com uma pesquisa publicada na revista International Journal of Molecular Sciences .

É preciso destacar que todo esse mecanismo ocorre porque a glicose é o substrato energético das células do corpo. A maioria das reações metabólicas precisa dessa molécula para funcionar e, portanto, é necessária uma certa concentração dela no organismo.

Se não for administrada por meio da dieta, ela precisa ser produzida de forma endógena. Felizmente, o mecanismo responsável por essa tarefa é muito eficiente.

Consequências da cetose

O processo de cetose no organismo gera uma série de consequências e de adaptações em nível fisiológico. Embora anteriormente elas fossem consideradas prejudiciais, a posição da ciência mudou a esse respeito.

Assim, o uso de corpos cetônicos como combustível para o cérebro está associado a um menor risco de desenvolvimento de patologias neurodegenerativas, conforme afirma um estudo publicado na revista International Journal of Molecular Sciences.

O estado de cetose está associado a uma menor produção de compostos beta-amiloides, associados ao risco de desenvolver problemas como Parkinson ou Alzheimer.

Atualmente, também há evidências sólidas do status de proteção que a cetose oferece contra a epilepsia. Assim, limitar a ingestão de carboidratos por meio da dieta conseguiu reduzir as convulsões em mais de 50% em um grande número de indivíduos, mesmo quando a medicação não era eficaz.

Cetose e câncer

Um dos aspectos de maior interesse é a relação entre o estado de cetose e a redução da progressão tumoral. Este é um mecanismo que está sendo muito estudado atualmente e que pode representar um ponto de inflexão no que diz respeito ao tratamento do câncer.

Primeiramente, é preciso esclarecer que as células tumorais usam a glicose como o seu principal combustível. A partir de então, o acesso a essa molécula pelas outras células do corpo fica restrito.

O estado de cetose pode retardar ou bloquear a reprodução tumoral, uma vez que essas massas são incapazes de usar os corpos cetônicos como substrato energético.

O que os estudos dizem?

De acordo com uma pesquisa publicada na revista Molecular Metabolism, a aplicação de uma dieta cetogênica pode ser eficaz para potencializar os efeitos da quimioterapia, aumentando assim a taxa de sobrevivência em vários tipos de câncer.

No entanto, cabe destacar que os resultados são mais satisfatórios nos tumores dependentes da glicose. Estes são o de cólon, mama, cabeça ou pescoço e pulmão.

Ainda assim, a aplicação da dieta cetogênica nesses contextos apresenta algumas limitações atualmente. Isso pode representar um avanço no tratamento do tumor, mas ainda há muito a ser pesquisado a respeito. A maioria dos estudos realizados teve amostragens pequenas.

Cetose e patologia metabólica

Outro contexto de aplicação das dietas cetogênicas e do estado de cetose é o dos pacientes diabéticos. De qualquer forma, devem ser tomadas certas precauções a este respeito.

Em geral, opta-se por uma distribuição equilibrada dos carboidratos na dieta para o tratamento do diabetes. Porém, parece curioso tentar tratar uma patologia que provoca a utilização incorreta desses nutrientes aumentando a sua presença na dieta alimentar.

Conforme esperado, a resposta ao tratamento geralmente não era boa. Apenas em poucos casos a progressão da doença era interrompida, o que acabava exigindo medicamentos para o seu controle.

O que dizem os estudos mais recentes?

Os pesquisadores descobriram que restringir os carboidratos na dieta e implementar um estado de cetose pode ser eficaz no controle do diabetes.

Assim concluiu uma pesquisa publicada na revista Nutrition & Diabetes, na qual uma melhora na patologia metabólica e no estado da composição corporal foi observada a partir da dieta cetogênica.

Apesar dessas descobertas, cabe ressaltar que é preciso tomar alguns cuidados na implementação desses modelos alimentares.

Para os indivíduos com diabetes tipo 2, isso não é muito perigoso, mas, no caso daqueles com diabetes tipo 1, é preciso partir de uma situação de certo controle sobre a glicemia. De qualquer forma, o acompanhamento profissional é sempre necessário.

Também não devemos nos esquecer de que a aplicação do estado de cetose em indivíduos com patologia metabólica ou com sobrepeso geralmente leva a uma melhora no estado da composição corporal. Assim, é possível aumentar a oxidação das gorduras, reduzindo os seus depósitos no organismo.

Estado de cetose, ingestão de proteínas e saúde

Uma das principais dúvidas quando à manutenção de um estado de cetose é se a ingestão elevada de proteínas poderia ser prejudicial à saúde.

Os estudos mais atuais, como o que foi publicado na revista Food & Function, afirmam que é possível aumentar essa ingestão para até 2 g/kg de peso ao dia, sem consequências negativas.

As hipóteses de possíveis danos renais e hepáticos como resultado de uma alta ingestão de proteínas parecem estar descartadas atualmente. Apesar disso, é preciso ter cuidado com a ingestão de proteínas em situações de insuficiência ou patologia renal crônica já instalada.

Com essas descobertas, foi derrubada uma das barreiras mais importantes quanto à aplicação de um estado de cetose. É possível dizer que isso tem efeitos positivos para a saúde e que as possíveis consequências negativas são muito limitadas.

Inclusive, em relação à convicção de que a ingestão de gordura coloca o funcionamento do sistema cardiovascular em risco, também houve grandes progressos. Embora se afirmasse no passado que o colesterol dietético e a gordura saturada poderiam representar um problema para a saúde cardíaca, essa relação foi desmentida atualmente.

Condições para induzir a cetose

Ao buscar um estado de cetose, é importante respeitar a limitação de 50 gramas de carboidratos na dieta diariamente. Eles devem ser distribuídos ao longo do dia para que, dessa forma, não causem picos de glicose no sangue que quebrem o estado metabólico.

Mesmo as dietas cetogênicas mais restritas permitem uma ingestão máxima de 20 gramas de açúcares ao longo do dia. Nestes casos, o consumo de frutas fica bastante comprometido, o que pode ser negativo para a saúde a médio prazo.

O ideal é sempre adotar o protocolo mais flexível possível, garantindo assim uma certa variedade na dieta. Este é um dos pilares de uma alimentação saudável.

Além disso, também é possível experimentar variações na ingestão de proteínas. Embora as dietas cetogênicas clássicas recomendassem o consumo de 0,8 g/kg peso ao dia, atualmente os especialistas apostam em aumentar a ingestão de proteínas até atingir 20-25% da recomendação energética diária por meio desse nutriente.

Também cabe destacar a necessidade de garantir que os ácidos graxos consumidos sejam de alta qualidade. Para isso, basta evitar submetê-los a altas temperaturas, pois isso provoca uma mudança na sua configuração espacial, gerando gorduras trans que são prejudiciais para o organismo.

Efeitos colaterais da cetose

A cetose pode causar dor abdominal.
Alguns distúrbios gastrointestinais inespecíficos podem ocorrer ao atingir um estado de cetose.

Embora a cetose e as dietas cetogênicas sejam consideradas seguras a longo prazo, de fato, a curto prazo, elas podem levar a uma série de efeitos colaterais. Estes têm caráter gastrointestinal e nem todos conseguem tolerá-los da mesma forma.

Em geral, estamos falando de náuseas, tonturas, fraqueza e prisão de ventre, principalmente nos primeiros dias de aplicação desse tipo de dieta. No entanto, conforme o corpo vai se acostumando a usar os corpos cetônicos como combustível, esses problemas desaparecem.

Apesar de tudo, para alguns indivíduos, esta condição representa uma grande dificuldade e desconforto. Isso condiciona a adesão a este tipo de dieta de forma negativa e impossibilita a sua implementação.

Cetose, um estado metabólico que pode ser saudável

Conforme observamos, a cetose não é adequada para todos. Muitos indivíduos não desenvolvem uma boa adesão às dietas cetogênicas, o que condiciona a sua aplicação. Porém, se puderem ser colocadas em prática, é possível obter benefícios por meio delas.

Embora até alguns anos atrás elas só fossem usadas pelos pacientes com epilepsia sem resposta à medicação, a sua aplicação se expandiu atualmente. Assim, está sendo avaliada a possibilidade de que elas sejam adotadas por pacientes com câncer, problemas metabólicos ou até mesmo por pessoas saudáveis.



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