O que são as doenças raras?
Conforme indicado pelo portal Orpha.net (a base de dados sobre patologias raras por excelência), uma doença rara é uma condição que afeta uma pequena percentagem da população em comparação com as outras pessoas saudáveis. Em geral, esse critério é atendido quando a condição afeta 1 em cada 2.000 pessoas ou menos.
Na Europa, o limite de prevalência para uma doença ser considerada rara é de 5 casos por 10.000 habitantes. Além disso, a maioria dos casos é detectada em idade pediátrica, uma vez que 80% deles estão relacionados à herança genética. No entanto, outras condições têm origem infecciosa, oncológica, degenerativa ou gestacional.
Após o investimento de mais de um bilhão de dólares nos últimos 15 anos, a maioria das doenças raras ainda carece de um diagnóstico correto e de um método de intervenção. Mergulhe connosco no mundo destas patologias, pois vamos apresentar alguns dos exemplos mais interessantes e representativos.
As doenças raras no mundo
Embora a imensa maioria das doenças raras seja detectada durante a infância, a prevalência é muito maior na idade adulta, conforme indicado pela revista Anales del Sistema Sanitario de Navarra. Isso ocorre porque, infelizmente, muitas das crianças com essas doenças morrem assim que nascem ou poucos dias após o parto.
A título de curiosidade, é importante destacar que a definição de doença rara varia de acordo com o país em que é consultada. Para exemplificar essas discrepâncias, podemos fornecer os seguintes dados:
- Na comunidade europeia, uma doença rara é aquela que afeta 5 em cada 10.000 pessoas ou menos.
- No entanto, nos EUA, é usado um número global muito diferente: menos de 200.000 casos para todo o país.
- No Japão, uma doença rara afeta 4 ou menos pacientes por 10.000 habitantes.
- A Austrália traça o limite de patologia rara em menos de 2.000 pessoas doentes no país.
- Em outras regiões, o número cai para 2 ou menos pacientes por 10.000 habitantes.
Embora a União Europeia tenha fixado o referido limite em 1999, países como Dinamarca, Suécia e Reino Unido mantêm critérios diferentes. Assim, é impossível dar uma definição exata do termo: o que se considera uma doença rara em um país pode não ser em outro.
Além disso, esses dados parecem representar uma carga patológica muito baixa: nada está mais longe da verdade. Conforme indicado pela revista CHEST , aproximadamente 25 milhões de norte-americanos precisam de tratamento para as suas raras condições patológicas.
Estima-se que 300 milhões de pessoas no mundo todo tenham doenças raras.
Quantas doenças raras existem?
Estima-se que existam milhares de doenças raras no mundo todo. Atualmente, o número oscila entre 6.000 e 8.000 entidades clínicas, mas esse número só vem crescendo, devido ao grande número de publicações médicas que abordam o assunto. De qualquer forma, o montante “oficial” varia de acordo com os critérios de qualificação impostos.
Infelizmente, apenas 400 de todas essas condições têm tratamentos eficazes disponíveis. 75% delas apresentam sintomas em idade pediátrica e 30% dos pacientes não superam os de 5 anos de vida. As anormalidades genéticas e/ou bioquímicas na maioria desses quadros clínicos ainda não foram descritas.
A grande maioria das doenças raras não tem cura.
Alguns exemplos
Conforme você pode ver, estamos diante de um termo difuso que apresenta grandes dificuldades para representar a realidade. Para exemplificar um pouco os números expostos, vamos mostrar as características de algumas doenças raras.
1. Hemofilia adquirida
A hemofilia adquirida (HA) é uma doença autoimune muito rara que ocorre em pacientes com histórico familiar negativa de tendências hemorrágicas. Nessa condição, o sistema imunológico do paciente produz anticorpos contra os fatores de coagulação do sangue (geralmente o fator VIII), o que estimula o sangramento excessivo com ou sem estímulos.
Conforme indicado pelo portal Science Direct, a incidência dessa patologia é de 1 a 3 casos por milhão de habitantes por ano. A mortalidade varia entre 9% e 33% dependendo da série consultada, uma vez que hemorragias em músculos, partes moles e órgãos podem dificultar a sobrevida do paciente.
O tratamento desta patologia consiste em 2 fases: estancar o sangramento e eliminar os autoanticorpos. Para isso, são usados coagulantes e tratamentos imunossupressores ao mesmo tempo. Porém, por causa da sua raridade, não existe uma abordagem padronizada e cada caso deve ser avaliado individualmente.
2. Amiloidose
A amiloidose compreende uma série de entidades clínicas raras. No entanto, todas elas têm algo em comum: uma proteína dobrada de forma anormal (amiloide) se acumula nos tecidos e órgãos e interfere no funcionamento normal do corpo.
A amiloidose primária (AL) é a variante mais comum de todas, mas mesmo assim há apenas 0,9 pacientes por 100.000 habitantes por ano. A idade média de apresentação é de 65 anos e 2/3 das pessoas afetadas são do sexo masculino. O órgão mais afetado quase sempre é o rim, um órgão essencial para a vida: sem tratamento adequado, a sobrevida média é de 12 meses.
Conforme indicado pela Clínica Mayo, a amiloidose não tem cura. Quimioterapia, terapias direcionadas, transplantes autólogos de células-tronco e substituição de órgãos inteiros podem salvar a vida de um paciente, mas nem todos estão aptos para essas abordagens. Novamente, o prognóstico e o tratamento dependem de cada caso.
3. Síndrome de Kabuki
Essa síndrome é rara, pois se estima que afete apenas 1 em 32.000 recém-nascidos. É uma patologia muito interessante em nível genético, pois está associada a uma mutação de novo. Ou seja, isso significa que os pais não são portadores de genes defeituosos, mas o gene do paciente sofre alterações durante o desenvolvimento fetal.
De qualquer forma, a partir desse ponto, a patologia segue um padrão mendeliano normal, pois pais com genes mutantes os transmitem aos filhos. Até o momento, foram detectadas 2 seções do genoma associadas à síndrome de Kabuki: KMT2D e KDM6A. No entanto, 30% dos pacientes não apresentam um agente causador específico.
as crianças com síndrome de Kabuki apresentam características faciais e físicas incomuns, mas esses não são os únicos sintomas. Muitas delas sofrem de defeitos cardíacos, perda auditiva, insuficiência renal e outras disfunções orgânicas. O tratamento se baseia no monitoramento e na cirurgia em partes afetadas se necessário, uma vez que esta doença não tem cura.
4. Raiva
Você não esperava essa patologia na lista, não é mesmo? A raiva é um exemplo perfeito de que as doenças raras também podem ser infecciosas. Na Índia (considerada uma região de risco), ocorrem cerca de 2 casos por 100.000 habitantes por ano, enquanto na África esse valor aumenta para 4/100.000.
Com esses números, é surpreendente saber que cerca de 59.000 pessoas morrem de raiva a cada ano. Como esperado, quase todos os casos ocorrem em áreas rurais de baixa renda, onde há muito contato com mamíferos silvestres e o tratamento e/ou vacinação brilham por sua ausência.
De qualquer forma, graças à vacinação, são evitadas mais de 300.000 mortes ao ano no mundo todo.
Conforme indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a raiva é uma doença viral zoonótica, ou seja, é transmitida de outros animais para o homem. As mordidas de cães infectados são responsáveis por 99% das mortes causadas por essa doença rara.
O melhor tratamento é a vacinação. Se um paciente for mordido por um animal selvagem, as injeções de ação rápida e as vacinas antirrábicas podem salvar a sua vida.
5. Câncer de tireoide
Outra das patologias que desafiam o conceito de “doença rara”. Em geral, quando pensamos nessas patologias, as associamos a mutações genéticas, mas esses exemplos mostram que não tem porque ser assim em todos os casos. O câncer de tireoide é raro, uma vez que corresponde a menos de 1% das neoplasias malignas.
A partir dessa porcentagem, não é de se estranhar que surjam apenas de 2 a 20 casos por 100.000 habitantes por ano. Conforme o próprio nome sugere, o câncer de tireoide cresce na glândula tireoide, um tecido em forma de borboleta na base do pescoço.
Felizmente, alguns subtipos histológicos têm um bom prognóstico: a taxa de sobrevida 5 anos após o diagnóstico é de 98%, conforme indicado pelo portal Cancer.net. A maioria dos casos é resolvida com uma remoção cirúrgica a tempo, embora a radioterapia, a quimioterapia ou as terapias direcionadas também possam ser necessárias.
6. Exemplos de doenças hereditárias
Conforme já dissemos, até 8 em cada 10 doenças raras têm uma base genética hereditária. Como é impossível abranger todas elas, vamos apresentar uma lista com algumas classificações representativas:
- Doenças monogênicas: são causadas pela mutação na sequência de um único gene. São conhecidas mais de 6.000 doenças monogênicas, muitas delas raras. Podem seguir um padrão autossômico dominante ou recessivo, ou estar ligadas ao cromossomo sexual X.
- Doenças oligogênicas: são codificadas por alterações e interações em mais de um gene.
- Doenças poligênicas: sua apresentação depende de mutações genéticas e fatores ambientais. Encontrar uma causa concreta para elas é muito difícil.
Um termo complexo e difuso
Conforme você pode ver, nem todas as doenças raras estão diretamente associadas a mutações genéticas específicas. Lembramos que, de fato, até 80% delas respondem a certos padrões de herança, mas, com o grande número de entidades clínicas abrangidas por esse termo, há espaço para diferentes tipos de câncer, transtornos adquiridos e eventos infecciosos.
Depois desta reflexão final, só podemos nos perguntar o seguinte: o termo “doença rara” reflete a realidade? Com mais de 300 milhões de pessoas acometidas por uma patologia dessa natureza e sem critérios estabelecidos, fica claro que essa classificação médica reporta pouca ou nenhuma informação sobre a entidade em si.
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