Sonilóquio: por que falamos durante o sono?
Você certamente conhece alguém que fala enquanto dorme. Ou talvez você tenha ouvido que é você quem já manifestou esse comportamento. Do que estamos falando? Estamos falando de um distúrbio do sono, neste caso uma parassonia chamada de sonilóquio.
Por que falamos durante o sono? Algumas hipóteses apontam para alterações na ativação e inibição de algumas áreas do cérebro conforme entramos e saímos das fases do sono. Isso também está associado a alterações de humor ou conflitos intrapsíquicos (e inconscientes ) não resolvidos.
Neste artigo, vamos lançar um pouco de luz sobre este curioso tipo de parassonia, no qual a pessoa pode sussurrar, falar ou gritar, dizer palavras com ou sem sentido, montar frases, monólogos… Continue lendo!
Sonilóquio: o que é?
O sonilóquio é um tipo de parassonia. As parassonias são um tipo de distúrbio do sono por meio do qual a pessoa manifesta comportamentos anormais enquanto dorme.
No caso específico do sonilóquio, essa alteração implica que a pessoa emita palavras durante o sono. Isso acontece com uma total ausência de vontade.
Assim, de uma forma geral, poderíamos definir o sonilóquio como “a fala ou a emissão de sons com significado psicológico durante o sono, que geralmente está ligada aos sonhos” (Estivill e Segarra, 2003). É muito comum em crianças, com prevalência elevada (25-50%).
Intensidade e emoção
A intensidade com que se fala nesta alteração pode variar bastante de pessoa para pessoa. Ou seja, pode haver pessoas que sussurram, outras que falam em tom normal e outras que gritam. Nessas palavras, a pessoa pode até mesmo demonstrar emoções, tais como medo, riso ou choro.
Duração do sonilóquio
Quanto tempo dura o episódio de sonilóquio? Geralmente oscila entre segundos e alguns minutos. Após o episódio, a pessoa não se lembra de nada.
Conteúdo da mensagem
Ela pode ou não ser inteligível. Existem pessoas que falam e proferem palavras, e até mesmo frases, com um significado real. Às vezes, a pessoa até mesmo estabelece um pequeno diálogo consigo mesma, ou conversa com alguém (seja alguém no seu sonho ou não).
Ou seja, ela pode se dirigir a alguém em questão ou não. As pessoas com sonilóquio respondem ao que é perguntado? Embora às vezes possa parecer que sim, na verdade, isso não acontece, uma vez que a pessoa não tem consciência do momento que está vivendo.
Com que idade aparece?
O sonilóquio pode surgir em qualquer idade, embora seja comum em crianças (Estivill e Segarra, 2003). De acordo com este último estudo, o sonilóquio é uma das parassonias mais frequentes durante a infância, juntamente com o sonambulismo, o terror noturno, os pesadelos e o bruxismo.
Assim, durante a infância, trata-se de algo normal e que, em princípio, não deve causar preocupação. Em adultos, embora não necessariamente exista alguma situação preocupante subjacente, talvez a pessoa tenha algum tipo de problema ou sintoma que explique parcialmente o sonilóquio, como, por exemplo, a ansiedade.
Por que falamos durante o sono?
Mas por que o sonilóquio aparece? Na verdade, não é totalmente conhecido o processo ou a causa que explica por que algumas pessoas falam durante o sono, enquanto dormem.
Sabe-se que o sonilóquio pode aparecer em qualquer uma das fases do sono (embora seja mais provável que apareça em algumas do que em outras, conforme veremos a seguir).
Alteração na ativação cerebral
Também se sabe que o seu mecanismo explicativo é semelhante ao que causa outras parassonias, e se baseia no seguinte: uma alteração na ativação e inibição de áreas cerebrais quando passamos pelas diferentes fases do sono.
Essa alteração ocorre nas fases 3 e 4 do sono não REM e na fase REM. Assim, na verdade, é mais provável que o sonilóquio apareça em algumas dessas fases.
Sabe-se que, durante o sono REM, sono paradoxal ou sono dessincronizado, o nosso tônus muscular diminui em grande medida, enquanto a atividade fisiológica do nosso organismo aumenta.
Porém, em pessoas que apresentam sonilóquio, as áreas cerebrais que controlam a atividade dos músculos orofaciais permanecem ativas e se acredita que é isso que permite que a pessoa fale durante o sono.
No sono profundo (sono não REM) ocorreria algo semelhante, embora, neste caso, a atividade simpática seja reduzida.
Alterações afetivas
Conforme veremos com mais detalhes posteriormente, o sonilóquio também pode aparecer, ou se intensificar, em momentos de ansiedade ou estresse.
Assim, na sua etiologia, também poderiam intervir fatores emocionais e psicológicos, que tenham a ver com o nosso estado atual (estado de humor, vivências, etc.).
Quando o sonilóquio aparece?
Asso, como foi visto, o sonilóquio é comum em crianças, mas também em adolescentes. Conforme a pessoa vai crescendo, é mais provável que o sonilóquio desapareça.
Por outro lado, o sonilóquio muitas vezes aparece associado a outros distúrbios do sono, ou seja, há uma certa comorbidade nesse sentido. Os distúrbios mais associados ao ato de falar durante o sono são o sonambulismo e o terror noturno.
Esse tipo de parassonia também pode surgir devido a uma intoxicação pelo consumo de substâncias, em estados febris e em momentos de estresse.
Também pode ser mais frequente em alguns transtornos do humor, além dos transtornos de ansiedade e estados do tipo dissociativo.
Como afeta a nossa vida?
Embora seja verdade que o sonilóquio a princípio não seja uma alteração grave, prejudicial ou preocupante, também é verdade que ele pode gerar alguma interferência em nível social no caso das pessoas que dormem com outra pessoa.
Nesse sentido, não se trata de uma patologia, mas pode causar alguns problemas, como, por exemplo, fazer com que a outra pessoa acorde ou fique assustada, não consiga adormecer ou até mesmo interprete mal as palavras de quem está falando enquanto dorme.
Também pode gerar preocupação ou medo no ambiente, principalmente quando, juntamente com as palavras, surge um estado de choro, riso ou até mesmo gritos na pessoa. Assim, mais do que à pessoa que apresenta o sonilóquio, esse transtorno pode causar desconforto às pessoas ao seu redor.
No entanto, também devemos considerar que a pessoa com sonilóquio pode desenvolver um medo da possibilidade de dizer coisas que não deseja durante o sono, ou de ser ouvida.
Essas pessoas podem evitar o contato com o parceiro durante a noite ou dormir sozinhas, o que pode gerar conflitos ou mal-entendidos nos relacionamentos.
É preciso tratá-lo?
Em princípio, se o sonilóquio não causar graves interferências na vida da pessoa, ela não precisa de tratamento. Em geral, essa parassonia desaparece com o tempo (e em adultos há menos casos).
Nos casos em que a parassonia gera algum tipo de desconforto ou interferência no funcionamento da pessoa, então algumas técnicas podem ser aplicadas.
Geralmente, são recomendadas técnicas de respiração e relaxamento antes de dormir, bem como orientações e medidas específicas para uma boa higiene do sono.
Neste último caso, estamos falando em tomar medidas como não consumir substâncias estimulantes depois das seis ou sete da noite, sempre ir dormir mais ou menos no mesmo horário, evitar jantares fartos, diminuir o uso de telas e celulares e usar a cama apenas para dormir.
Conflitos na área afetiva?
Caso o sonilóquio apareça (ou se intensifique) por causa de problemas na área afetiva, será recomendável abordá-los com o auxílio de um profissional.
Nesse sentido, a psicoterapia pode ser uma boa opção para investigar o nosso estado de humor e os possíveis conflitos não resolvidos na nossa vida, muitas vezes inconscientes.
Geralmente pensamos que não há relação entre o sono e a vigília, mas isso não é bem assim; quando dormimos, de certa forma, o nosso inconsciente se desperta.
Desse modo, durante o sono, podem aparecer “resquícios” do nosso estado consciente (ou problemas internos) por meio de distúrbios como o sonilóquio ou através de pesadelos, sonhos recorrentes, etc.
“Antes de dormir, antes de cada noite, perdoe tudo e durma com o coração em paz.”
-Anônimo-
O sonilóquio, um problema comum que geralmente não é patológico
Você certamente percebeu ao longo do artigo que a explicação para esse transtorno nem sempre está relacionada a alguma outra doença psiquiátrica.
Na verdade, ele geralmente é bastante comum em crianças; portanto, a menos que os sintomas sejam muito incômodos, geralmente não é necessário tratamento. Porém, em caso de dúvida, é sempre aconselhável procurar um especialista na área.
- Buela-Casal, G. y Navarro, J. (1990). Avances en la investigación del sueño y sus trastornos. Madrid: Siglo XXI.
- Diagnostic Classification Steering Committee, Thorpy MJ, director. (1990). The International Classification of Sleep Disorders. Diagnostic and coding manual. Rochester: American Sleep Disorders Association.
- Estivill, E. y Segarra, F. (2003). Parasomnias en la infancia. Unitat de Son. Institut Dexeus. Barcelona. Unitat de Son. Hospital General de Catalunya. SLXIV(1.476).
- Meissner, W. (1970). El soñar como proceso. Revista de Psicoanálisis, 27(1):73-110.